"Oh, I'm a mess right now, inside out. Searching for a sweet surrender, but this is not the end" (Ed Sheeran)
Desligou o som. Percebeu, com certo espanto, que a noite já caíra e que sua sala era a única de todo o prédio que ainda tinha a luz acesa. Não sentia mais os pés, nem os ombros. Alongou-se na barra lentamente, juntou os materiais na caixa e se encaminhou ao vestiário.
Tirou a sapatilha e observou por alguns instantes a meia suja de sangue. Ossos do ofício. Era quase impossível, no ritmo de treino que levava, não acabar sempre sangrando. Os machucados mal tinham tempo de se fechar, e o tecido áspero da sapatilha e o toque rígido da ponta de madeira já tratavam de abri-los outra vez.
Retirou as meias sujas e estendeu o pé dentro da pia, num alongamento perfeito, pondo-se a lavar as feridas. Repassou mentalmente a coreografia, ensaiada à exaustão por horas a fio naquele mesmo dia. A dança era como sua vida. As pessoas sempre a veriam leve como uma pluma, sorridente e graciosa, dando suas piruetas no palco, mas somente ela sabia quanta dor, quanto sangue e quantas lágrimas aquilo demandava. E o quão orgulhosa de si mesma ficava com isso.
Refez os curativos o melhor que pôde e calçou os chinelos. Qualquer outro sapato naquele momento seria tortura. Tratou de lavar também as meias, mais do que depressa, para evitar outra vez a história de "você não acha que exagera demais com esse tal de ballet?". Antes de sair do vestiário, repassou mais uma vez todos os movimentos mentalmente e lavou o rosto. Para o público, apenas sorrisos e piruetas. Guardemos as lágrimas.
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