quinta-feira, 7 de julho de 2016

Bailarina (publicado na revista CarKahlo em 08/2014)

"Oh, I'm a mess right now, inside out. Searching for a sweet surrender, but this is not the end" (Ed Sheeran)


Desligou o som. Percebeu, com certo espanto, que a noite já caíra e que sua sala era a única de todo o prédio que ainda tinha a luz acesa. Não sentia mais os pés, nem os ombros. Alongou-se na barra lentamente, juntou os materiais na caixa e se encaminhou ao vestiário.
Tirou a sapatilha e observou por alguns instantes a meia suja de sangue. Ossos do ofício. Era quase impossível, no ritmo de treino que levava, não acabar sempre sangrando. Os machucados mal tinham tempo de se fechar, e o tecido áspero da sapatilha e o toque rígido da ponta de madeira já tratavam de abri-los outra vez.
Retirou as meias sujas e estendeu o pé dentro da pia, num alongamento perfeito, pondo-se a lavar as feridas. Repassou mentalmente a coreografia, ensaiada à exaustão por horas a fio naquele mesmo dia. A dança era como sua vida. As pessoas sempre a veriam leve como uma pluma, sorridente e graciosa, dando suas piruetas no palco, mas somente ela sabia quanta dor, quanto sangue e quantas lágrimas aquilo demandava. E o quão orgulhosa de si mesma ficava com isso.
Refez os curativos o melhor que pôde e calçou os chinelos. Qualquer outro sapato naquele momento seria tortura. Tratou de lavar também as meias, mais do que depressa, para evitar outra vez a história de "você não acha que exagera demais com esse tal de ballet?". Antes de sair do vestiário, repassou mais uma vez todos os movimentos mentalmente e lavou o rosto. Para o público, apenas sorrisos e piruetas. Guardemos as lágrimas.

segunda-feira, 30 de março de 2015

Constatação

"brilho da lua, noite é bem tarde, penso em você, fico com saudade"

quando penso em nós dois, é aí que eu realmente não consigo dormir. meu sono só é realmente tranquilo se ele respira ao meu lado e se oferece o ombro para eu deitar a cabeça. não sei em que ponto do nosso relacionamento ele se tornou importante assim pra mim, só sei é que o fez. e já faz tempo. no momento, me agarro ao travesseiro, pensando. "é só uma noite", ele disse, "vou à reunião e volto no dia seguinte". será que ele sente o mesmo que eu?
de repente, ouço o celular vibrar na mesinha:
"travesseiros de hotel não são tão macios quanto você. nem possuem cabelos tão cheirosos"
sorri. eu não era tão louca afinal. recostei-me no travesseiro mais uma vez, respirando o cheiro dele. talvez mais uma caneca de chá ajude. pra nós dois.
"é uma pena. quer uma caneca de chá pra relaxar? infelizmente os travesseiros aqui sofrem do mesmo mal. não são gostosos como o seu ombro"
"eu adoraria. estou com saudades. reunião amanhã às oito. torça por mim. amo você"
"amo você. volte logo"
não comentei sobre minha dificuldade pra dormir. achei desnecessário. fiz uma caneca de chá bem quente e voltei a deitar. troquei os travesseiros de lugar e ajeitei as cobertas mil vezes, até pegar no sono mais de uma hora depois. na manhã seguinte, foi fácil sair da cama sem os sussurros, suspiros e pedidos de "só mais cinco minutos, vai te atrasar muito?", mas não tão divertido.
o dia passou normalmente. acho que as pessoas o meu redor não eram capazes de perceber a mudança que tinha acontecido em mim, muito menos o que eu havia constatado. haveria um espaço para ele sempre, insubstituível, não só na minha cama, mas na minha vida.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

.

às vezes, eu só queria poder dormir. dormir por minutos, horas, dias, semanas. dormir até essa sensação ruim que de vez em quando invade o meu coração. mas cá estou eu, presa nesse estado de plena consciência. Só eu e os meus pensamentos enquanto todas as outras pessoas normais dormem tranquilamente.

às vezes, eu só queria que Deus me deixasse dormir para sempre.

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Vim do Ovo?

- Ô, mãe, de onde vêm as crianças?
Ela fechou o aquário dos peixes, recém limpo, e mexeu no cabelo da filha com ternura. Os cachos negros como os do pai, que a pequena não deixava cortar de maneira nenhuma, caíam pelos ombros.
- Bom, primeiro tem uma sementinha e...
- E aí? - interrompeu a pequena. - Porque lá na escola a gente viu que a galinha e a pata botam o ovo, e do ovo nasce o neném pato, ou o pintinho. Neném gente nasce do ovo também?
- Não. A mamãe e o papai entregam uma sementinha pra cegonha, aí ela leva lá pro céu e quando fica pronto ela traz o neném.
- Ela planta a sementinha lá no céu? Então eu nasci de uma planta, e não de um ovo? - A pequena pensou por um momento. - Por que eu não sou verde, que nem planta?
A mãe riu.
- Não! Você não nasceu de uma planta. Você nasceu da sementinha da mamãe e do papai.
- Que não é planta, nem ovo.
- Isso.
- Não entendi direito. Mas tudo bem. - A pequena deu de ombros. - Tá na lista das coisas que você vai me explicar quando eu crescer né?
- Exatamente. Você vai entender quando você crescer. - Tudo que ela queria era mudar de assunto.
- Mas você vai me contar tudo no mesmo dia?
A mãe franziu a testa, sem entender.
- Como assim?
- Todas as coisas que você vai me explicar quando eu for grande. Vai ser tudo no mesmo dia?
Engoliu em seco, sem saber o que responder. Escutou o barulho da chave na porta. A filha saiu correndo para receber o pai que chegava do trabalho. Salva pelo gongo.

quinta-feira, 5 de junho de 2014

sobre a minha correria

já há vários dias eu tenho alguns "flashes" de ideias para escrever; às vezes no banho, outras no metrô, outras deitada quase caindo no sono. sempre penso "nossa, hoje eu quero escrever sobre isso!". aí, de repente, eu esqueço sobre o que eu queria escrever, e das frases que montei na minha cabeça enquanto a estação não chegava, ou enquanto o shampoo terminava de agir (acho que, nesses casos, a água lava os meus pensamentos e os leva embora). e aí a cabeça é novamente tomada por artigos intermináveis de leis, números de processos e muitas, mas muitas palavras, só que nenhuma delas vem do coração. a correria dessa cidade é mesmo implacável. a gente precisa marcar horário com antecedência pra conseguir fazer coisas simples como comer um doce com uma amiga. então, hoje eu resolvi escrever sobre a minha vontade de escrever. tenho vontade de escrever desde quando ainda não sabia fazê-lo. aprendi a escrever sozinha. escrever pra mim sempre foi terapia, às vezes fuga, às vezes solução, mas sempre alegria. na correria, embora eu não consiga formar nada coerente, pelo menos, graças aos flashes eu sei que miss Inspiração não morreu, apenas está cada dia mais sapeca e aprontando das suas. ah, se um dia eu pego essa menininha acordada enquanto estiver em casa, caneta na mão, encarando a folha em branco...

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Dois anos de história


Fê, 
Há pouco mais de dois anos, a maior sequência de coincidências da minha vida fez com que eu conhecesse você. E pensar que até um minuto antes tudo que eu sentia era irritação pelo fato de o meu pai ter prometido me levar de carro na festa e, na hora H, ter me feito pegar ônibus e metrô. Sou orgulhosa demais para agradecê-lo, mas admito que a atitude dele fez parte de quem somos. Um minuto a mais, um minuto a menos, e nada teria acontecido. Nós não teríamos acontecido.
Naquela noite, 10 de setembro, eu desci na estação e, perdida, parei na rua para pedir uma informação. Não fazia a mínima ideia de onde ficava o karaokê que eu deveria ir. Foi o que bastou para nos conhecermos. Vinte minutos depois, a coincidência: fazíamos a mesma faculdade. Eu, caloura, turno da noite. Você, já na linha do Equador, turno da manhã. Como é possível?
E aí então começou a sequência de acontecimentos - alguns dizem coincidência, outros destino, outros que foi a mão de Deus - que deixariam qualquer mãe zelosa de cabelo em pé. Eu simplesmente não encontrei o meu pessoal e a sua amiga, a aniversariante, me chamou para ficar na sala de vocês. A verdade é que minha atração por você foi instantânea e eu nem fiz muita questão de saber onde exatamente era a sala reservada aos meus amigos. Queria conhecer mais sobre você, ficar perto, entender como duas pessoas frequentavam diariamente o mesmo lugar, sem nunca terem se visto e, de repente, se conhecem no meio da rua.
Depois desse dia, começamos a conversar via facebook. Eu tentava procurar você pelos corredores, nas duas vezes em que precisava ir à faculdade de manhã, mas nunca conseguia. Cheguei a chamá-lo de aluno fantasma, lembra? O fato é que pouco a pouco você foi se tornando importante no meu dia, na minha rotina, naquelas três semanas em que nosso único contato era pela internet. Enfim nos encontramos na faculdade, numa sexta-feira, e você pediu o meu telefone. Confesso que no sábado eu passei o dia todo com o celular na mão - e você foi me ligar bem na hora em que eu finalmente larguei o pobrezinho para almoçar. Você diz que entrou no meu perfil, para descobrir do que eu gostava antes de me chamar para sair.... E acertou em cheio.
Apesar do frio, da chuva, dos desencontros - marcamos em um café e você confundiu e apareceu em outro, depois teve que andar vinte minutos na chuva para chegar no lugar certo -, as quatro horas que passamos conversando foram as melhores. E então, nesse sábado, 24 de setembro, finalmente eu tive a certeza de que a minha chance estava ali, bem no momento em que você me beijou. Antes eu só tinha inseguranças - me deixou confusa, filho da mãe!
Uma semana depois, você me pediu em namoro. Desde então não nos separamos mais (graças a Deus!). E, nesse dia 02, eu só tenho a agradecer. Sim, agradecer por todos os momentos em que você esteve ao meu lado, desde o começo (acho que você nem se lembra mais da dor de estômago que tive dois dias depois do café, e que você foi comigo comprar remédio e depois me ligou pra saber como eu estava). Todos os shows, festas da faculdade, festas de família (até os rolês mais indígenas você topa!), momentos felizes, momentos tristes, provas, trabalhos ou férias. Juntos fisicamente ou não. São dois anos de história, que ninguém mais tira de nós. São os melhores dois anos de história da minha vida.
Espero que continuemos assim, amigos, cúmplices, amantes, companheiros acima de tudo, para o que der e vier, pelos próximos dois, cinco, dez, vinte anos, a vida inteira. Você é meu melhor amigo, meu amor, meu anjo da guarda, meu parceiro de gordices e de regime também. Eu te amo demais, tanto que às vezes nem cabe no peito (olha eu aqui chorando outra vez....)! Só queria que soubesse. E, mesmo que algo imprevisível aconteça daqui para frente, saiba que eu vou guardar todos esses momentos comigo, para sempre. Muito obrigada por tudo.

PS. muito obrigada pelo presente hoje. A rosa ficou linda na minha mesa de trabalho (:


terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Natal


Vou sentir falta daqui, pensou ele, saindo da sala de cinema. Entendera perfeitamente as legendas do filme, mesmo que algumas palavras parecessem bem bizarras. Andou mais um pouco pelo centro comercial Vasco da Gama, vestiu o casaco antes de sair pela porta dos fundos e ir ver o rio Tejo. Teve vontade de visitar o Oceanário mais uma vez, ver os pinguins, as arraias, as estrelas-do-mar. Mas não seria a mesma coisa sem ela, então desistiu. Sentou-se numa pizzaria moderna, aos pés do rio, quase no Oceanário, pediu um prato e uma água. Comeu lentamente. Sentiu que era capaz de viver naquela cidade sem muito esforço. Lisboa era mágica e não oferecia empecilhos a quem tentava a ela se adaptar. Ao contrário, parecia acolhê-lo sem reservas, respeitar seu sotaque brasileiro, mais lento e cantado, tratá-lo como igual. No dia seguinte iriam a Barcelona. Ele queria andar mais à beira do rio, ver as praias de Cascais, ir a Sintra outra vez ver os castelos, andar a pé, de trem — comboio, como dizem os portugueses —, de metro, dar risada do sotaque da moça que dizia “próxima estação, Saldanha. Há correspondência com a linha vermelha”. Sentia-se livre. Sabia que em Barcelona ninguém o entenderia quando falasse, que ficaria preso andando junto com Anne. Mas estava tão feliz ao lado dela que um pouco de esforço não faria mal. Voltou ao shopping, em busca de algo com o qual pudesse presenteá-la. O Natal já estava chegando e ele sabia que era sua última oportunidade de andar sozinho. Escolheu o que queria, saiu do shopping e atravessou até a estação Oriente do metro. Pagou a tarifa de 1,25 euros, pegou o metro sentido São Sebastião, desceu na estação Saldanha, pegou a linha amarela até o terminal Rato, caminhou até o Jardim Botânico, virou a direita antes do Bairro Alto e enfim voltou ao apartamento. Terminou de arrumar suas malas — não queria dar trabalho quando Anne chegasse — e esperou. Não demorou muito para que ela chegasse do trabalho. Estava cansada, física e mentalmente, mas só de vê-lo ali, esperando por ela, já teve vontade de cantar.
— Demorei? Mil desculpas. Parece que o mundo resolveu passear de metro e ir até o Chiado só para me azucrinar! — Anne descalçou os sapatos e correu para os braços dele. — Você ficou sozinho? Comeu? Está bem?
Ele sorriu, terno.
— Faz parte... Fui passear no Vasco da Gama. Passeei bastante, fui ao cinema, andei entre as bandeiras do Parque das Nações. Só não fui outra vez ao Oceanário ver os golfinhos porque não teria graça sem você. Cheguei agora há pouco, só terminei de fazer as malas e você chegou.
Sentou-se em seu colo, de lado, e roçou de leve o nariz no dele.
— Lindo. Fico feliz que tenha se distraído.. Você saiu bem agasalhado, né? Está frio lá fora. E em Paris a coisa vai piorar... Está nevando na cidade-luz. Estou utilizando todos os meus métodos evasivos para passarmos o mínimo de tempo por lá. Embora seja uma cidade linda, eu vou ter que trabalhar demais e nem vou poder curti-la com você.
Ela fez um bico de desaprovação. Ele a beijou de leve, como se dissesse que estava tudo bem. Ele estava de férias, ela não. Entendia a situação e isso não seria um empecilho.
— Pois bem, senhorita vice-cônsul. Já que as coisas no Consulado Brasileiro no chiado não foram tão alegres assim, deixe-me preparar um banho para você. E quem sabe, se for uma boa menina, não ganha uma massagem também?
Fez cócegas nela até que ela caísse no colchão, rindo. Depois beijou-a, feliz por tê-la em seus braços.

—xxx—

A viagem de trem fora longa, mas Barcelona não era tão ruim quanto imaginou. As pessoas eram incrivelmente receptivas com turistas, desde que ele se mostrasse perdido e não-falante do castelhano. A rixa com Madrid era latente. A partir daí, os catalães o olhavam nos olhos, sorriam, tentavam encontrar uma língua comum. A maioria deles falava o inglês. Matheus se arrependeu um pouco de ter largado seu curso de inglês no meio, mas o básico estava conseguindo fazer. E como já estavam muito próximos do Natal, sua noiva passava mais tempo com ele, e somente isso já era mais do que uma bênção.
Na manhã do dia 24, o dia amanheceu gelado e cinza. Anne o acordou para que fossem ver a missa na catedral da Sagrada Família, de Gaudi. Matheus nunca tinha visto uma construção tão maravilhosa. Fez questão de tirar muitas fotos para mostrar quando voltassem ao Brasil. Depois, andaram um pouco pelo Arco del Triunfo. Eram muitas paisagens bonitas para apenas uma viagem. Ficava até difícil saber o que ele havia achado mais lindo.
Almoçaram com calma, num restaurante tipo buffet, para que não tivessem que ler cardápios nem fazer pedidos. Anne se preocupava em deixar que ele tivesse autonomia e, com essas pequenas coisas, procurava facilitar sua comunicação e adaptação. À tarde, foram rapidamente ao supermercado, lotado de gente. Terminaram os preparativos para a noite de Natal quando o céu já estava escuro. Anne tinha alguns amigos que os convidaram para uma festa grande, com ceia, Papai Noel para as crianças e tudo mais, mas ela não queria. Já havia feito isso muitas vezes. Fez questão de passar o Natal somente com Matheus, no apartamento.
À noite, ligaram para o Brasil para cumprimentar os familiares. Os olhos dele encheram-se de lágrimas ao escutar as bênçãos da mãe, do pai, da irmã. Era o primeiro Natal que passava longe deles. Anne conversou com a mãe, com a irmã, com o sobrinho. Pela primeira vez, não desligou o telefone e foi chorar escondida, sozinha. Simplesmente abraçou o noivo e, com um sorriso, desejou-lhe Feliz Natal assim que o relógio bateu meia-noite, três horas antes do que no Brasil.
— Presente! Presente! — Gritou ela. Saiu correndo como uma criança para buscar um embrulho enorme no armário. Ele se sentou na cama para esperar. — Espero que goste.. Acho que vai ser útil.
Matheus abriu o pacote com cuidado, separando três outros pacotes menores: um cachecol, uma calça de inverno com um par de meias de inverno e um sobretudo forte. Se pudesse colocar uma legenda, seria, com certeza, kit de sobrevivência na neve. Sorriu. Ela tinha bom gosto desde sempre para presentes.
— Eu não queria dar algo inútil. Sei que não é o presente mais esperado, mas não quero que passe frio e...
— Eu adorei.
—...Mesmo?
— Sim. Obrigado.
Ela o beijou, feliz. Que ele jamais soubesse, mas na época do namoro sempre levava sua mãe ou Denise para ajudá-la com o presente. Era péssima com gostos masculinos. Fora quase impossível escolher dessa vez.
— Espere. — Disse ele, separando os lábios dos dela. — Eu também comprei um presente para você.
— Presente? Math! Não precisava, sério.
— Eu fiz questão. Achei que combinasse com você. — Remexeu na mala até encontrar o embrulho, cor de pêssego, com o símbolo de uma famosa loja de lingeries. — Mas, se gostar, vai ter que usar para mim, certo?
— Mas veja só, um presente com segundas intenções! — Empurrou-o de leve, em falsa reprovação. Abriu o embrulho delicado: uma camisola de cetim. Linda, cor de pérola, com uma renda delicada na barra e pequenas pedrinhas no decote. Colocou-a na frente do corpo: do tamanho exato para ela. Ficou sem palavras, emocionada com a beleza e a delicadeza do presente. — Como?
— Comprei-a em Lisboa. Sabia que não conseguiria escapar de você e sair sozinho para comprar algo aqui na Espanha. Queria algo especial, como você. Acertei?
— É exatamente do meu tamanho.
— Eu conheço bem esse corpo há muitos anos, morena. Acha que eu poderia errar?
— Convencido. — Mostrou a língua. Ele se inclinou para frente, como se ameaçasse mordê-la. Ela riu.
— Agora vá vestir que eu quero ver como fica.
— Não. — Fez birra.
— Sim! — Ele pediu. Quando ela negou, ele fez manha, até que ela caísse na risada. Piscou de leve um olho e se levantou com a camisola na mão. Aumentou um pouco o sistema de aquecimento do apartamento e foi até o banheiro trocar de roupa.
Não podia acreditar no que via quando a vestiu. Voltou ao quarto incrédula, levemente envergonhada, deixando Matheus sem fala. Ela ficara mais bonita do que ele tinha sido capaz de imaginar. Estendeu uma taça de champanhe para ela. Brindaram sem emitir uma palavra. Sorriram um para o outro, cúmplices. Ele tomou sua mão e a fez girar o corpo, mostrando o presente. Abraçou-a e beijou-a na testa, com ternura. Ela parecia querer dizer algo, mas continuava calada. Ele a olhou fundo nos olhos.
— É o melhor Natal que eu passo desde que me tornei diplomata. Obrigada.
— Ainda passaremos muitos Natais juntos. Casa comigo...
Ela olhou o anel de noivado em seu dedo, que já usava desde que saíram do Brasil. Não tinha a mínima intenção de mudar de ideia.
— Caso. — Beijou-o de leve no nariz — Caso.
Ele sorriu espontâneo, tomou-a nos braços de forma gentil e a beijou, naquela noite em que a neve caía suavemente lá fora — fenômeno inusitado para a cidade — e que com certeza ficaria marcada em suas memórias.